Instituições de utilidade Pública em Portugal... O espelho de um País. (Parte I)

Parte I 
   Eu no meu local de trabalho em pleno verão. Pareço um "caniche".  
Trabalhei 2 anos numa instituição de utilidade pública, O Cantinho dos Animais de Évora. Nesse tempo, encontrei lá todo o tipo de pessoas. Algumas, se eu tivesse chapéu, tirava-lho... Outras, metaforicamente falando, passava-lhes por cima de pópó, e depois de mortos ainda lhes mijava na campa.

 Primeiro que tudo quero dizer que a Associação do Cantinho dos Animais de Évora serve para recolher e ajudar os animais (sobretudo, cães e gatos), tentando-lhes dar uma nova casa com donos que os tratem bem. Se não o conseguirem fazer de imediato e, caso seja possível, os animais ficam a cargo da Associação, ou seja, ficam no canil da associação (que tem poucas condições).

Tenho tanto para dizer que nem sei por onde começar, talvez pelo inicio. Por ter uma escolaridade mínima (9º), da qual nem me orgulho nem me "desorgulho" (sei que não é ela que faz de mim mais ou menos inteligente, ou mais ou menos boa pessoa, mas...). Os empregos aos quais me posso candidatar são poucos, e aqueles a que posso são mal pagos e supra-exigentes. Sim, é Portugal no seu melhor. Dão-nos um canivete dos anos 70 e com eles temos que fazer de mecânicos, canalizadores, electricistas, médicos, polícias, etc.

Como tenho uma paixão enorme por animais (todos), juntei o útil ao agradável: candidatei-me... Não fui escolhido, escolheram uma rapariga (eu fiquei em segundo). A rapariga esteve lá cerca de duas semanas e, pelo que dizem os meus ex-colegas, não aguentou o trabalho por causa das condições e arranjou outro emprego. Então lá fui eu, a 2ª escolha.

Enquanto que no dia da entrevista me tinham dito quanto iria auferir, e em traços gerais, me disseram como seriam os horários e qual seria o tipo de tarefas que teria de cumprir... na realidade, nada do que me foi dito coincidiu. Foi-me dito que iria auferir cerca de 450€, e cumprir 6 horas a 6 horas e meia de trabalho mas, nada disto se passou. No primeiro mês, ainda trabalhei entre as 6 e as 6 horas e meia. Nos restantes, "vai-te embora, ó melga", "néri bi". Ordenado? Assim receberam vocês 450€, assim os recebi eu. Fiquei quase a auferir 400€. Ui que bom, já é um futuro. Agora vem a parte do que é que eu tinha que fazer. Ora bem, tinha que: Lavar 30 canis (que albergavam cento e tal cães) com uma mangueira quase sem pressão nenhuma. Para se ter água tinha de se andar cerca de uns 150 metros até chegarmos ao sítio do "gerador" a gasóleo, daqueles geradores da 1ª Guerra Mundial. Esse gerador só era ligado uma vez por dia, ou seja, com ele ligado, lavavam-se os canis, mudavam-se os baldes de água dos canis, os baldes dos cães que estavam presos à corrente cá fora e lavavam-se roupas, gamelas e baldes. Tinha também que tratar dos gatos, mudar areia, dar comida e água. Para se lavarem os canis como deve ser, bem lavados mesmo, demoravam-se umas 4 horas.

Resumindo, as minhas tarefas eram as seguintes: Lavar os canis, dar comida aos animais (cães e gatos), lavar baldes, gamelas, mudar águas, dar banho aos cães, medicação (2 ou 3 vezes por dia, e que não é tarefa fácil...), tratar de feridas, desentupir a fossa (para onde iam os dejectos), apanhar ervas que cresciam ao pé dos canis, apanhar cocós com uma enxada e uma pá (para dentro de uma saca de ração vazia), despejar lixo, entulho, atender todas as pessoas que lá se dirigiam diariamente e acompanhá-las durante a sua "visita", aceitar donativos, tratar dos papéis para as pessoas adoptarem um animal (quando queriam um, ou mais animais) e fazer alguns trabalhos manuais, leia-se, "desenrascanços".  Fui também gestor, tesoureiro, e tive mais funções que agora não me lembro.

Parece uma lista de compras de final de mês, mas era isto que eu fazia. Claro que tudo isto não era para ser feito só por mim, só que... Repito, não era para ser feito só por mim... As tarefas de lavar os canis e tratar dos animais (dar comida e essas coisas) eram para ser divididas entre 3 pessoas, eu que estava lá todo o dia, um colega que só ia de manhã, e o Gestor (Gestora, neste caso) que seria aquele que mais tempo lá passava, e compreende-se, pois ajudava também nas tarefas da limpeza e alimentação, mais as funções de receber pessoas, atender telefonemas e a resolução dos muitos problemas que surgiam sempre quase todos os dias. Mas não, isso só aconteceu no 1º mês e meio. No restante tempo que lá estive fiz tudo aquilo acima descrito que era para ser feito por 3 pessoas, mas só eu (tirando o facto de que o meu colega, que só ia de manhã, me ajudava a lavar os canis e dar comida aos cães que estavam presos à trela, uns 9 ou 10).

Passado esse tal "mês e meio", passei de 6 horas de trabalho diário para 8 horas. O caro leitor vai logicamente pensar "Sim, são as horas normais de um horário de trabalho, e se ele recebia quase 400€, deve ter passado a receber mais.  É lógico." E eu respondo ao caro leitor... ERRADO, ERRADÍSSIMO! Aqui o amigo ficou a receber exactamente o mesmo, mas as suas funções aumentaram para o máximo. E como é natural, 8 horas num espaço sem água, luz, telefone... Correm-se "milhentos" riscos, desde doenças, mordidelas, ratazanas, etc. Por lei, este tipo de trabalho requer um horário não superior a 6 horas, vacinações especiais, remuneração condizente com os riscos inerentes ao próprio trabalho e dias de descanso e férias superiores ao normal. Isto por lei.

Quando a nova Gestora, Dordio, amiga íntima da direcção do Cantinho dos Animais (C.A.), e que também fazia parte dos corpos directivos (não oficialmente), foi nomeada (ou se auto-nomeou) para o cargo de "Gestor", mudou tudo. Algumas mudanças foram para pior, outras foram para bastante pior.

Este post já vai longo, portanto, vou tentar cortá-lo, mas é difícil, pois ficará muito ainda por dizer.

Com a tomada de posse da nova Gestora, comecei a ser eu o responsável de tudo, porque como a presumível senhora (acho que é senhora) era professora, nunca estava no local de trabalho.... E agora abro aqui um parênteses... Uma vez pedi para que ela me alterasse  o horário para eu poder sair do canil sem ser à noite, de modo a poder fazer um part-time. É que receber quase 400€ não era nada, ainda por cima tendo em conta que eu gastava 100€ de gasolina por mês (o meu local de trabalho ficava muito longe da minha casa)  e, então, após o meu pedido ela disse-me "Ó Miguel, tens que escolher qual é o teu trabalho! Ou este ou o outro! Não se pode ter dois trabalhos...". Pois... Irónico não é?!  Vindo de uma pessoa que era a mais alta responsável pelo canil , cujo cargo que desempenhava a "obrigava" a permanecer no local de trabalho e, numa semana, "trabalhava" lá  2 a 3 horas por semana... No mínimo, é irónico.

Agora vejam as condições nas quais eu trabalhava: não tínhamos água potável (tínhamos que levar de casa); não havia electricidade (de noite tinha que lá andar com a luz do telemóvel); como o canil era no campo e a céu aberto, quando chovia andávamos encharcados, e quando era verão, meus amigos... Não havia sombras, milhares de bichos, mosquitos, moscas, abelhas, carraças, cobras, ratazanas, etc... Agora imaginem estar ao sol com 40 graus (às vezes um pouco mais) durante 8 horas... Mesmo que tentem, não conseguem imaginar.

Por causa de todas estas condicionantes é que era suposto fazermos um horário de cerca de 6 horas diárias de trabalho. Se nessas 6 horas já nos colocávamos em risco, imaginem-se 8 horas. E, para reforçar tudo isto, a própria Associação tinha um regulamento , a que eles chamavam "Regulamento Interno", o qual fizeram questão de me dar no meu 1º mês de trabalho, que dizia o mesmo... Por semana, tinha uma folga... Não era o trabalho de sonho de qualquer um?

Sinceramente, eu até gostava do que fazia. Sabia que , enquanto lá estivesse, os animais iriam ser bem tratados e as coisas estariam bonitas e asseadas, dentro do possível (atendendo às condições do terreno). Estive um ano sem contrato e sem ver um recibo de vencimento, logo, sem descontar. Desde o 2º mês de trabalho que andava a "chatear" o Gestor com esse tema (era o Gestor que estabelecia a "ponte" entre nós funcionários e a Direcção) e a resposta da direcção era sempre de assobiar para o lado dizendo que "o contrato estava a ser elaborado..." Até que resolvi agir junto da Direcção.  Aí a música soou a diferente "O contrato já está com o contabilista, e é só ele entregar-nos que nós avisamos.". Passados uns meses lá veio o contrato, curiosamente datado como início de funções para esse mês (o mês em que eles mo entregaram), ou seja, tinha trabalhado um ano para os cães, literalmente. Não aceitei assinar o contrato e aí, os problemas aumentaram. Fui informar-me à Inspecção Geral do Trabalho e lá disseram-me que, a partir do momento em que possuia provas de como lá estava a trabalhar há mais de 3 meses (bem mais...), estava automaticamente como trabalhador "efectivo". Fui dar as boas novas à direcção, mas eles detestaram a ideia... É que as entidades patronais preferem ter os funcionários de "quatro", a lamberem-lhes os pés e com medo de perderem o seu posto de trabalho.

Resumindo esta parte, a direcção não gostou que eu tivesse ido informar-me dos meus direitos e começou a dificultar-me muito mais as coisas... O que é que será mais difícil do que acordar 6 dias por semana e ir limpar merda de cão e gato, ao pé de uma fossa a céu aberto debaixo dos vossos narizes e com o mau cheiro a merda das Vacas que estavam em quintas ao pé do vosso local de trabalho?

Não sabem? Eles souberam. A partir do dia em que ficaram a saber que eu estava como efectivo, começaram a descontar para a Segurança Social (pagaram também o ano que tinham em falta) mas... a descontar do meu dinheiro. Ainda fiquei mais longe do que os "quase 400€".

Curioso, ou talvez não, é que eles nunca relevaram o facto de as pessoas falarem bem de mim (os visitantes do canil e os voluntários) e de apreciarem o meu trabalho, fazendo mesmo comparações daquele canil antes de mim, com o depois... Senti-me sempre valorizado por essas pessoas que lá iam, por diversas razões, e me elogiavam. Apesar dos elogios não serem dinheiro, eu valorizo-os bastante, quando são verdadeiros e sentidos. Ainda houve uma senhora que me disse "O Miguel Ângelo, é o melhor trabalhador que cá esteve. Nunca mais vai haver outro assim.".Espero, sinceramente, que a senhora esteja redondamente enganada...

Fiz uns exames às fezes que a Universidade de Évora se dispôs a realizar e o resultado nunca me foi revelado. Só passado um ano de já lá não trabalhar é que soube, por outra pessoa, que me tinham detectado, na altura, um parasita nos intestinos, algo que ver com ratos... Sempre disse que andava aí muita gente com a "doença dos ratos", nunca pensei é que fosse eu um deles (eh eh eh). Não era Leptospirose, calma.... "Às àrveres somo nozes..." foi um pequeno aparte ;)

Passado um ano e tal, lá me deram os recibos de vencimento, todos alterados; nem um único correspondia à realidade.

Voltando à Gestora... Andava eu todos os dias a trabalhar que nem um maluco em prol dos animais (não esqueçamos), enquanto a minha colega "Gestora" não colocava o cú de alface (ela é gorda e vegetariana) no seu, nosso, local de trabalho, eu ia acumulando tarefas e mais tarefas, sem descanso... Quando que, para espanto meu, um dia olho para a nossa "folha de Assiduidade"  e constato que a "menina" ,durante as 2 ou 3 horas em que lá ia, por semana, enchia a folha de assiduidade da semana toda, como se lá estivesse estado a trabalhar as 8 horas... E atenção, ela chegava a fazer 12 horas de trabalho... Claro que era o que ela lá colocava, a realidade já a contei: por semana, trabalhava cerca de 2 a 3 horas.

E agora metam-se no meu lugar. O vosso colega, durante a semana, só trabalha 2 ou 3 horas e vocês vêm a descobrir que passa por estar lá todos os dias, e muito mais do que 8 horas. Achavam revoltante? Eu não sou queixinhas, mas após um ano e tal nesta palhaçada, e de às vezes tentar avisá-la de que o que fazia não era correcto, fui fazer queixa à direcção.... que, pasmem-se, nem quiseram saber... Deram a volta ao texto e acusaram-me de faltar à verdade.

Um dia, e porque já estava cheio daquela "Charanga" (Cherenga, fofa), dei-lhe uma tamanha "descasca" (sermão) em que ela tentou fazer golpes baixos à chefe, do género "... E tu trabalhas mal porque as árvores têm folhas e a água é molhada", estão a ver a coisa... O que ela me foi dizer. Logo eu que ali deixei, sangue, suor e lágrimas, literalmente... E acreditem que chorei mesmo... Criamos laços com alguns animais e depois vemo-los partir... Não é fácil... Às vezes chora-se de alegria porque eles se vão embora com uns donos que parecem ser boas pessoas e, outras vezes, chora-se por tristeza porque morrem, e nós pensamos que podiam ter tido uma vida bem melhor do que a que tiveram até ali...

Ofendi-me com o facto de ela me dizer (se bem que sem conhecimento de causa, pois nunca lá estava) que eu trabalhava mal e disse-lhe, "Se fosses o Marco (que era o anterior Gestor, e homem) levavas já um murro que ficavas estendida aí no chão." Claro que depois deste episódio foi contar a sua versão à direcção, e eles, que como amigos que eram (e são) e bons juízes, nem ouviram a minha parte, acharam mesmo que eu a tinha tentado agredir. Foi a história que ela contou. Típica mulher de intrigas, falsa e mesquinha.

A direcção do C.A. ameaçou-me, por carta registada, com um processo disciplinar... Foi a última gota de água; o Miguel Ângelo fartou-se e passou ao ataque (estou a falar na 3ª pessoa?... Enfim...). Fiz a vida negra à vegetariana que, das poucas vezes que lá ia, deixou mesmo de ir, mas... Meteram lá a sua irmã, a fazer exactamente o mesmo, ou seja, a receber um ordenado maior do que o meu sem fazer nenhum. Verdade lhe seja feita, esta ainda ia lá uns 3 ou 4 dias por semana, uma hora ou duas. Mas, nas folhas de assiduidade, fazia mais do que 8 horas de trabalho...

Mas reparem, numa instituição de utilidade pública, tudo o que se passe nela tem que ser do conhecimento público... Claro que na Associação Cantinhos dos Animais de Évora isso não se passou... Mas passavam-se muitas coisas, no mínimo duvidosas.









É assim que a água que eles bebem fica no inverno. Agora imaginem o frio que eles e quem lá trabalha, passa.












 Contentor. Parte Exterior. O painel solar nunca funcionou, como é óbvio.










Este é o Contentor onde se guardam as rações, comprimidos e detergentes (quando os havia). No verão, se a temperatura no exterior for de 39 graus (por exemplo), lá dentro estará muito mais calor...












Parte exterior do "Escritório" (ah ahah ah ahh ah).









Esta é a parte interior do "escritório", normalmente continha, gatos e cachorrinhos (dentro daquelas gaiolas e fora delas). Portanto vejam bem, tinha que lavar 30 canis (120 tal cães), dar-lhes de comer, tratar do gatil (7/8 gatos), dar-lhes de comer, limpar o terreno na parte exterior onde estavam os cães presos à trela (entre 10/15), dar-lhes de comer... Lavar roupa, gamelas, dar medicações, desentupir a fossa, etc... E ainda tinha de tratar dos cachorros e gatos do escritório... "By myself", sozinhito da Silva porque quem deveria estar a ajudar-me e era pago para isso (e bem melhor do que eu), não ia trabalhar (mas dizia a toda a gente que sim).





Esta barraquinha, ou algo parecido, era onde guardávamos as mantas e cobertores, e onde supostamente, serviria para nos despirmos e vestirmos (ahah ah ah ahahah). Só lá entrava à pressa para tirar cobertores, até me admiro de aquilo em 2 anos nunca ter caído.











 Barraquinha em excelente estado.
















Uma vista por dentro. O tecto (Quá quá quá quá).















 As telhas agarradas por arames (literalmente).










Não percam a segunda parte, porque eu também não... (Continua)
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